NADA COMO UM BOM PLANEJAMENTO DE VIAGEM

Texto e ilustração: Mariana Faria-Corrêa



O Marido resolveu que ia a um congresso em agosto nos EUA e precisava pedir o visto. Perguntou se eu não queria encaminhar o meu e das crianças também. Eu disse:

- Ahh, pra que...? 

Mas os argumentos foram convincentes:

- Quem sabe uma viagem em família em fevereiro?

Então encaminhamos a papelada, mas avisei:  

- Não quero ter que fazer nada! 

Ele concordou e até que se esforçou. Preencheu formulários, organizou documentos. Fora a função das fotos, que tinham regras claríssimas a respeito da necessidade de aparecerem orelhas e do rosto ocupar metade do espaço (e que, aliás, ficaram péssimas), não fiz muito mais de que eu pudesse reclamar.

Depois, veio a hora de marcar a entrevista. 

- Para onde iremos? Agora são dois dias de função no Consulado... em São Paulo demora, no Rio é rápido... e o Rio... bom, eu não conheço o Rio... tem o Cristo, a paisagem, o Pão-de-açúcar, o bondinho, as praias... 

A segunda opção pareceu melhor ideia, com duas crianças pequenas... Aí fizemos um plano: marcamos os compromissos no Consulado e aproveitamos mais uns dois dias no Rio de Janeiro.

A moça da agência que encaminha o visto ligou pra marcar a entrevista. Numa sexta e numa segunda. 

- Perfeito! 

Um final de semana no Rio. Depois de agendado, vimos que a quinta era feriado... Poderíamos esticar, então.  Quando eu começava a ver passagens, o Marido (e também meu sócio), agendou uma importante reunião de trabalho na segunda anterior em Florianópolis, e... como estaria em Florianópolis mesmo... agendou outra reunião na terça, da qual, disse-me ele, eu deveria participar.

- Ah não!!! Aí bagunça a coisa toda! Que que a gente faz com as crianças?? 

Fiquei tentando resolver elaborando algumas estratégias: 

1. Ele ia pra Floripa primeiro, fazia a reunião 1, me esperava, eu ia pra gente fazer a reunião 2, a gente voltava, pegava as crianças e ia todo mundo pro Rio? 
2. Nós dois íamos pra Florianópolis, deixávamos as crianças, voltávamos, pegávamos os filhos e embarcávamos pro Rio na quinta? 
3. Ia todo mundo pra Florianópolis, dali pro Rio e eu inventava algo pra fazer com as crianças.

Decidi, como sempre, que devia levar toda a tropa junto. 

Armei um esquema infalível que envolvia: chegar em Floripa, ficar com as crianças enquanto Marido ia na reunião número 1, deixar as crianças sob cuidados de uma amiga de plena confiança que mora lá, enquanto nós dois íamos na reunião número 2, aproveitar a quarta-feira em Florianópolis, embarcar quinta para o Rio, ir sexta ao consulado, aproveitar sábado (nosso aniversário de casamento) e domingo no Rio, ir segunda ao Consulado e voltar a Porto Alegre ainda na segunda. Parecia bom...

Aí fui para a parte prática. Perguntei se Marido concordava. Perguntei se Amiga concordava (afinal ela tem dois filhos da mesma idade). Falei com a professora da filha e perguntei se poderia fazer as tarefas com ela para recuperar o tempo fora de aula. Tudo certo! Hora de comprar as passagens. Uma super promoção exclusiva daquele final de semana e fim. Faltava hotel. Feita a reserva em Floripa.

Tentei fazer a reserva no Rio. 

- O que? Não tem vaga no Rio? Como assim não tem vaga no Rio?? 

Silêncio... olhares entre mim e Marido... 

- Quando é mesmo a Rio + 20?

E não é que começava logo depois do feriado e todo mundo teve a mesma ideia de chegar antes e ficar mais dias por lá? Estava tudo lotado. O que tinha sobrado estava o triplo do preço! Inacreditável! Não dava pra gente ter escolhido uma data melhor? 

Agora não tinha volta. Era achar um lugar, pagar o que for, parcelar no cartão e fim. Pra auto consolo, disse:

- Pelo menos vamos pra um lugar legal, o Rio é lindo, é nosso aniversário de casamento, vai ser divertido!
E ainda tive uma ideia:

- Já que vamos ficar num hotel tão bom, com estrutura pras crianças, não vale a pena voltar num voo que sai as sete horas da manhã lá no Galeão. Vamos remarcar pra mais tarde e no aeroporto mais perto. Pagamos um pouco a mais, mas vai valer a pena. Eu faço isso. 

A tarefa era simples. pelo site era só clicar em cada um e pedir pra remarcar, mas me dei conta que não conseguiria remarcar os quatro de uma só vez. Eu tinha que clicar num passageiro e fazer a troca se tiver lugar no voo, depois clicar em outro e a mesma coisa. 

- Mas se não tiver lugar pra todos no mesmo voo? Vai só metade da família? 

Ligo pra companhia aérea.

- É isso mesmo, senhora, não há como garantir que haverá lugares disponíveis. Como a senhora comprou pela internet deve selecionar um por um dos passageiros e pagar a taxa de remarcação, mais a diferença da passagem. Posso ajudar em mais alguma coisa senhora?

- Não, obrigada.

Tive de traçar uma estratégia no vamente. Primeiro: consultei os voos e horários que me interessavam. Escolhi um. Segundo:  fiz de conta que ia comprar para todos nós e, então, consegui ver se havia lugares. Habilmente decidi transferir o meu bilhete primeiro, depois uma criança, depois outra, depois o Marido, assim, na pior hipótese, nenhuma criança ficaria abandonada no avião ou no aeroporto. Iniciei a operação. 

Me selecionei. Click, ok, sim, aceitar, tem certeza, tenho, número do cartão, ok, tem certeza mesmo, claro, ok...deu!  

- Peraí... estranho... algo está errado... 

Fui até o painel "meus voos" para ver se deu certo a transação.

- Ahhh não!!!  Que que foi eu fiz??? Eu transferi o voo errado!!! 

Ao invés de selecionar o voo RIO – POA selecionei o voo FPOLIS – RIO. Tentei voltar o site numa tentativa inútil de anular tudo, não achei nenhum botão cancela, desistir, anular... mas isso tinha sido há três segundos. Frio no estômago! Vontade de chorar! Odeio estar na TPM. Liguei pra companhia. Me atenderam rápido, expliquei tudo, quase chorando: 

- Crianças sozinhas! Como vão fazer? Meu assento? Quem vai sentar lá? Me ajudem?!!

- Lamento senhora. A Senhora deverá reemitir sua passagem para o destino original, pagar a taxa de remarcação mais a diferença da passagem. Posso ajudar em mais alguma coisa senhora?

Me sentindo péssima fiz o que me mandaram, resignada. Depois liguei novamente para a companhia aérea. Dessa vez quem me atendeu foi um rapazinho muito solícito, que devia ter mãe, e me ajudou reaver meu lugar ao lado dos meus filhos. Fim do dia.

Chegou a hora da viagem. Tudo pronto, crianças animadas. Eu ainda me questionando sobre a necessidade de levar as certidões originais das crianças, mas estava com cópias e com os passaportes e todos hão de concordar que passaportes, definitivamente, são documentos para se viajar! Certo? Errado! 

As Companhias aéreas em território brasileiro não aceitam. Você pode levar suas crianças com passaporte para a Ucrânia, mas não pode ir a Florianópolis... isso porque no passaporte não há descrita a filiação. Assim, eu e meus dois filhos ficamos no aeroporto, porque o Marido tinha aquela reunião numero 1 e precisava mesmo ir. Fui conversar com a atendente da companhia aérea, com duas malonas, duas malinhas de mão, duas crianças e uma cara de completa decepção. Claro que ela, solicitamente, me disse:

- Lamento senhora. A Senhora deverá reemitir suas passagens, pagar a taxa por ter perdido a aeronave. Calculando... se quiser viajar novamente a senhora ainda pode aproveitar sete reais de cada passagem e poderá usar esse valor na tarifa do dia. Posso ajudar em mais alguma coisa, senhora?

Achei que era um bom momento para ser mal educada, mas como a minha Filha estava começando a chorar porque ficamos no aeroporto, achei melhor fazermos algo interessante. Por sorte meus pais estavam perto da cidade onde moramos e trouxeram as originais das certidões, um pouco mais tarde. Acabei comprando os bilhetes em outra companhia e, enfim, chegamos, à noite, em Florianópolis. A reunião numero 1 havia acabado. No dia seguinte, reunião numero 2, aquela que eu deveria participar. E não é que na última hora cancelam a reunião?

Pelo menos passei o dia com a Amiga e crianças. Florianópolis foi legal. Passei muito tempo com os Filhos enquanto Marido trabalhava.

Chegando no Rio, organizamos com um taxista para nos pegar no aeroporto. Muita chuva, com a promessa de melhorar depois de uns dois dias. Sem nos dar muita chance pra pensar, o taxista se intitulou nosso guia local e começou a zanzar de taxímetro ligado. Até que a gente conseguisse se livrar dele, já tínhamos ido e voltado de Niterói, com a bandeira 2, porque obviamente fomos a outro município. Nos momentos áureos, caminhamos na Atlântica, comemos na confeitaria Colombo, na Pizzaria Guanabara, passeamos sob chuva no Leblon, Visitamos o MAC, vimos de fora o Teatro Nacional, andamos de metrô... sempre olhando pra cima, esperando o tempo abrir, pra ir ao Cristo, andar de bondinho, ir ao Jardim Botânico. Enquanto isso, fizemos as entrevistas, entramos em livrarias, fomos a shoppings, revimos ótimos amigos e até fomos a agradáveis parquinhos indoor com umas mil crianças e suas babás. Domingo à noite a previsão do tempo era ótima! Compramos ingresso pro Cristo pela internet. Íamos ao Consulado de manhã, almoçaríamos e depois pegaríamos o trem que sobe a Floresta da Tijuca em direção ao Cristo.

De manhã, um sol lindo, um céu que eu cheguei a comentar que tinha de tirar uma foto daquele primeiro azul que víamos no Rio, enquanto esperávamos o taxi agendado para as 9h. O taxi não apareceu. Aí aquela correria, pegamos um carro do hotel e atravessamos o Rio às 9h40 pra chegar ao Consulado em cima da hora. Chegando lá, um mundaréu de gente, uns flanelinhas-guarda-celulares e o pessoal fazendo a triagem na rua. Uma dica: ir com criança ajuda nessas horas. Nos passaram na frente e foi muito rápido! Agora restava curtir o dia de sol no Rio! Pegamos o metrô, fomos pro hotel, pegamos nossas coisas (não pode levar celular nem máquina fotográfica pro Consulado) e fomos almoçar. Enquanto comíamos em um agradável restaurante com varanda no Leblon, subitamente, o céu se fechou, nuvens gigantes e gordas surgiram sabe-se lá de onde e nunca mais foram embora. Fim.

Fim não. Fomo ver Madagascar 3 no Shopping no Flamengo. Pra não chorar, morri de rir, porque o filme era muito bom. Depois, hotel. Aí jantamos lá mesmo, que, vamos combinar, era o que dava pra fazer de melhor. Comemos umas coisinhas e fomos arrumar as malas e dormir. Agora era se despedir do Rio que não vimos, levar o ticket do Cristo pra casa e planejar voltar dentro da validade de três meses.

Acordei às 6h da manhã passando mal. Pensei comigo mesma... sério? Mais essa? Virada ao avesso, ainda consegui ajudar a fechar as malas enquanto Marido levava a Filha para um banho na piscina que ela namorou desde o dia que chegou e não pode entrar. Sim... fazia um lindo dia de sol...

Pra não correr riscos, pegamos o mesmo carro do Hotel pra nos levar ao aeroporto. Era o dia do bendito voo, aquele que troquei a passagem pra mais tarde e quase fiquei sem lugar. Troquei pra mais tarde e pra mais perto, o aeroporto agora era o Santos Dummond, as 13:58. 13h estávamos fazendo o chekin. Não consegui fazer o das crianças. A maquininha dizia: não é possível colocar crianças desacompanhadas na aeronave. Como assim desacompanhadas??? Passamos pro balcão, com as certidões de nascimento das crianças, e eles viram que elas não estavam desacompanhadas. Isso até foi fácil. Aí as malas. Somos quatro. Com três malas. Uma grande.

- Senhora, como cada reserva foi feita com um localizador não posso somar os pesos das bagagens, de modo que dessa grande a senhora terá de pagar excesso de peso.

Ah não, aí esqueci que estava mal. Olhei para ela calma e profundamente e disse (acho que ela ficou com medo): 

- Não vou pagar excesso de bagagem. Vocês me fizeram trocar meu único localizador por quatro. Agora resolva.

Silêncio no aeroporto... pelo menos eu achei.

Nisso a Filha implicando com o Filho no carrinho, levou um chute, o carrinho virou sobre as malas, o que acabou com aquele climão. Mas funcionou porque ela disse que ia ver com a supervisora.

Voltou com a mesma cara sem expressão e passou a bagagem normalmente sem nenhuma explicação a respeito. Fomos fazer um lanche e vimos que o voo estava atrasado uns 20 minutos. Na hora certa passamos para a sala de embarque, a mochila da Filha foi revistada no detector de metais e aguardamos definirem o portão de embarque.

Quando começou o embarque, fomos para a fila e de repende ouvimos:

- Sra Eu e Sr Marido favor identificar-se.

Nos identificamos e o cara da companhia aérea disse:

- Senhores, me acompanhem que eu explico no caminho.

- Nananinanão! Estamos com duas crianças, não vou sair daqui sem explicação!

- Senhores, esse voo não vai mais para Porto Alegre, mas não se preocupem, há uma van esperando por vocês para transportá-los para o Galeão, de onde sairá o voo de vocês. E será um voo muito melhor, sem escalas, direto a Porto Alegre.

- E que horas chega lá?

- Na mesma hora que esse. Não se preocupem com nada. Nós pagaremos um lanche para vocês!

- O que?

- Um lanche!

- Porque essa aeronave não vai para Porto Alegre?

- Senhora, chega um momento, infelizmente, que toda aeronave deve fazer uma parada para revisão. Esse momento chegou para o seu avião. Ela irá parar em Curitiba e não poderá mais voar. Sinto muito.

- E que horas sai o outro voo?

- As 15.

- Do Galeão?

- Sim!

- Mas são 14:15, como vamos chegar lá?

- De van, senhora!

- Porque não nos avisaram antes? Estamos aqui desde as 13?

- Lamento senhora, se eu soubesse...

- Hein??

Nisso já estávamos na porta do aeroporto com outro funcionário.

- Vocês é que vão pro Galeão?

- Sim.

- O Táxi já vem.

- Táxi? E a van?

- Que van?

20 minutos depois aparece um táxi. Eu pergunto se alguém nos espera no outro terminal.

- Claro! Na porta do aeroporto.

Chegando lá, quase 15 horas, ninguém na porta, procuramos alguém no balcão que nos acena rapidamente para passarmos pro checkin. Somos informados que o voo sairia as 15h30 e que devemos ser rápidos. Eu ainda tento perguntar sobre o ocorrido e escuto:

- Lamento, senhora, não tenho informações. Se a senhora tiver reclamações pode preencher o nosso formulário.

- Pelo menos é um voo direto, não?

- Não senhora, faz escala em Navegantes.

Preferi não perguntar sobre o lanchinho.

Durante o voo, finalmente, tudo como sempre...  atar cintos, puxar sua máscara depois colocar em quem precisar, acentos flutuantes, decola, pousa, decola, pousa e Porto Alegre, enfim.

Pra fechar a viagem, mais 40 minutos na fila para o táxi, e uma piadinha do Marido: 

- Tem certeza que vai querer voltar pro Rio pra usar o ticket do Cristo?

A parte boa é que os passaportes foram entregues na quarta-feira seguinte, na minha casa, com o visto que tem duração maior que o passaporte. Fiquei muito impressionada com a agilidade do processo. Na manhã seguinte, li uma notícia de que 400 passaportes foram extraviados do Consulado de São Paulo naquela semana. 

Sorri. 

Isso sim teria sido o final ideal pra essa história.

Comentários

Luiza disse…
Adoro esta história! Dividir em capítulos pode ser melhor para outros lerem, o q acha?

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